Comportamento é mais comum na adolescência.
O fenómeno é mais comum do que o que se pensa, alertam os especialistas. Não existem números exactos, mas o psiquiatra Daniel Sampaio revelou esta semana, numa conferência, que 10 a 15% dos jovens portugueses terão comportamentos de automutilação. O número baseia--se em inquéritos realizados nas escolas, a jovens entre os 13 e os 18 anos, por investigadoras ligadas ao Núcleo de Estudos do Suicídio. Se considerarmos que existem cerca de 600 mil jovens nesta faixa etária, estaremos a falar de 60 a 90 mil adolescentes com comportamento auto-agressivos. "São relativamente frequentes nas nossas escolas", conclui.
Os últimos estudos internacionais apontam para números ainda mais preocupantes: o relatório CASE (Child and Adolescent Self-harm in Europe), publicado em Setembro passado, concluía que 30% das raparigas e 10% dos rapazes entrevistados - num universo de 30 mil jovens de 15 e 16 anos - tinham tido comportamentos de automutilação ou pelo menos considerado seriamente a hipótese no último ano.
Além disso, os especialistas temem que a prática esteja a crescer, alimentada pela comunicação através da internet. A Associação de Saúde Mental do Canadá, citada pelo The New York Times, considera que "há uma tendência crescente para os adolescentes discutirem" o tema on-line e "formarem clubes nas escolas".
Sofrimento psicológico.
A psicóloga clínica Mariana Carvalho explica que estes "são comportamentos que têm mais probabilidade de surgir na adolescência do que na idade adulta". Isto porque é uma fase em que somos confrontados com uma série de escolhas e crises num momento em que, por vezes, ainda não desenvolvemos os mecanismos adequados para lidar com a tensão e sofrimento. A automutilação pode surgir devido a uma "complexidade de factores", explica: alguns relacionados com características da personalidade - uma maior vulnerabilidade - outros com o ambiente familiar ou escolar e situações de abuso. Muitas vezes "têm a função de atenuar o sofrimento psicológico. Substituem uma dor por outra", diz. Ou seja, é uma "expressão física da dor emocional", acrescenta a psicóloga Tânia Diniz. "Estão a canalizar o sofrimento para uma forma que consideram mais controlável e que permite o alívio da tensão emocional", conclui.
Cortes são mais comuns.
Os estudos indicam que os cortes são as automutilações mais comuns, mas queimaduras com cigarros, arranhões, puxar o cabelo ou bater com a cabeça também são comportamentos de auto-agressão.
Comum, por definição, é a falta de intenção consciente de suicídio, embora possa surgir num quadro de depressão e, em alguns casos, evoluir nessa direcção, salienta Daniel Sampaio. Assim, os comportamentos auto-agressivos exigem avaliação e acompanhamento", diz.
Pais, professores, colegas e profissionais de saúde devem estar atentos aos sinais, já que quanto mais cedo for detectado, mais fácil será encarar o problema. Por outro lado, salienta Mariana Carvalho, os jovens podem não ter noção adequada do risco que correm. "A percepção do risco talvez não seja exactamente a mesma dos adultos", explica.
"A atitude correcta é mostrar que se tem conhecimento da situação e fazer um esforço para compreender o que se está a passar com o jovem", acrescenta. "Confrontar os adolescentes com a sua inadequação pode criar resistências", alerta.
fonte: DN 15/12/08